Do macaco ao homo sapiens… a evolução do ser humano terminou?
Testemunhamos proezas admiráveis nos campos das manifestações artísticas, dos avanços tecnológicos e das pesquisas científicas. As conquistas e quebras de barreiras na esfera intelectual são evidentes. A expansão do conhecimento sobre a mecânica do universo – bem como a aplicação prática desse conhecimento – influenciam o nosso dia-a-dia e o modo como opera a nossa sociedade. Isto é irrefutável.
No entanto, é igualmente evidente que, por outro lado, o desenvolvimento de outros potenciais humanos não acompanhou o mesmo passo e intensidade.
Gratidão, respeito, reverência, humildade, gentileza, bondade, honestidade. Verdade, retidão, paz, amor, não-violência. Compaixão, entusiasmo, perdão, cordialidade. Tolerância, compreensão, contentamento, altruísmo. Felicidade, tranquilidade, satisfação, simplicidade. Beatitude, iluminação, castidade, sabedoria. Dedicação, desapego, discernimento, disciplina, devoção, caridade.
Muitas vezes, parece que essas aulas ficaram de fora do currículo.
Duas Asas Para Voar
Você já viu algum pássaro voando com uma asa só?
Associamos a inteligência à cabeça, e o amor ao coração.
Quando a educação privilegia o aspecto mecânico e utilitário (cabeça) e despreza o aspecto moral e espiritual (coração), o resultado é uma sociedade que reflete esse mesmo padrão. Criamos um “pássaro de uma asa só”. Uma sociedade criada desse modo jamais irá manifestar todo o seu potencial latente.
O que acontece? Doutrinado em uma perspectiva egoísta e competitiva, o indivíduo é treinado em “modo de guerra”. Ele precisa vencer os obstáculos. Vencer a competição. Ser o melhor. Ganhar. Tudo e todos são os seus inimigos. E o inimigo precisa ser destruído – assim como nos video games.
Como bem canta Tom Zé:
O rico hoje, coitado,
É preso, todo cercado
Arrodeado de grades
Porteiro, guarda e alarme
Arranje, Senhor, um porto
Que ele não esteja acuado
Com um pouco de conforto
Pra ele estar sossegado
Estender as mãos? Ajudar o próximo? Sacrificar-se em prol do bem-estar geral? Essa asa não foi muito bem desenvolvida. Está atrofiada.
Assim, o pássaro Humanidade não pode voar.
Uma asa bate firme e forte. A educação material, racional, analítica, aritmética e metódica definiu seu escopo, alimentou-se, fortificou-se e triunfou.
Isso não é ruim.
O problema é que a outra asa jaz paralítica. Parece inerte, estatelada ao chão. A educação espiritual, moral, sensível, intuitiva e amorosa ficou de fora, vive de migalhas, é ridicularizada e estagnou.
Se as duas asas batessem juntas e fortes – o que poderíamos manifestar aqui neste Planeta? Quem tem cabeça e coração para criar e imaginar se entusiasma com a viva visão de um mundo regenerado. Para alguns, o próprio Paraíso.
Humano ou Não Humano? – Eis a Questão
Entre as causas dos grandes problemas, conflitos e crises no mundo hoje, sem dúvida está essa falta de Nutrição do Coração.
E do que trata a Educação em Valores Humanos? É justamente dessa Formação do Caráter.
Para que uma “asa material” forte, se o coração é um deserto onde a gratidão não existe nem em oásis?
Para que tanta ciência? Só para construir bombas?
Para que tanto dinheiro? Só para manter uma mídia que hipnotiza e desinforma, escravizando a mente e a opinião do povo? Só para ocultar, suprimindo até o esquecimento, quaisquer iniciativas de bem em todas as áreas – economia, energia, saúde, alimentação, construção, transporte – calando-as ou marginalizando-as?
Governo e sociedade mutuamente se refletem, espelhando falta de ética, falta de solidariedade, falta de sinceridade, falta de tolerância, falta de compreensão.
Uma pessoa verdadeiramente educada, no sentido integral (cabeça + coração), estará imune à corrupção. Não abrirá mão de princípios essenciais, vendendo sua honra e integridade por qualquer preço.
Mas aonde se ensinam Valores Humanos? Na escola, a educação de uma asa só. Na televisão, a imoralidade e a violência como se fossem coisas normais e cotidianas. Na religião, ode à intolerância. Na política, quem é mais corrupto recebe mais. Na vida, o trabalhador honesto é mal pago, a bandidagem corre solta. Na economia, um “aspirador de pó” sugando toda a riqueza e mandando para um buraco negro bem distante (a conta bancária de um punhado de famílias que dá para contar nos dedos).
Com todos estes “exemplos”… não é de se surpreender a falta de educação que se mostra claramente em abundância aos olhos de quem ainda tem discernimento para enxergar.
Mesmo assim, em todas as áreas mencionadas, dos bancos às escolas, das ruas aos lares, temos pessoas – muitas pessoas, e cada vez mais pessoas – que foram amadas o suficiente (obrigado, mamãe e papai) e são conscientes o suficiente para cultivar a moralidade em si mesmas… e plantar boas sementes em cada pensamento, palavra e ação.
A Felicidade
Um dos temas mais importantes na Educação em Valores Humanos é a Felicidade.
Você é feliz?
Bom… você acha que é importante ser feliz?
Felicidade existe? É um mito? É apenas um estado passageiro?
O prazer é o intervalo entre duas dores. A dor é o intervalo entre dois prazeres.
Experimentamos prazer e dor. Tristeza e alegria. Nos tornamos mais maduros quando aprendemos que essa alternação é natural. Há quem busque o equilíbrio ao cultivar uma atitude de não se desesperar com um revés, nem se exacerbar com um sucesso.
É igualmente natural o ser humano dirigir suas ações em busca da felicidade. É uma meta comum, por mais diferentes que sejam os meios e as perspectivas. Excepcionalmente, um indivíduo pode cessar essa busca – considerando-se fracassado. Mas até esse momento de “desistência” ou “revolta”, seus esforços eram no sentido da felicidade.
Seja temporária ou permanente, a “felicidade” é o “sentido da vida”. Com isso eu quero dizer: ser feliz é a meta que todo ser humano almeja, de uma forma ou de outra (ainda que possa desistir dessa meta em algum momento, caracterizando uma patologia).
Aprendendo a ser feliz
Temos aulas de matemática, de física, de geografia, de história, podemos até ter aula de francês! Mas não temos aula de felicidade, ou de “ser feliz”.
Pense bem: vale a pena uma “ciência” que não fala nem sabe nada sobre coisas invisíveis, impalpáveis e imensuráveis como a “felicidade” e o “amor”? Nada contra a ciência… só que falta uma asinha a ela… falta uma certa vibração de alegria e humanidade nessa “cabeça dura”…
Com a palavra, o mestre sufi Hazrat Inayat Khan:
Falemos da felicidade. Uma pessoa pensa que será feliz se o amigo for bom, quando os outros lhe correspondem, quando fica rico, mas não é essa a maneira de ser feliz. Às vezes tudo isso leva a um resultado contrário. A infelicidade faz uma pessoa culpar os outros, porque acha que todo mundo a está impedindo de ser feliz. Na realidade isso não é verdade. A verdadeira felicidade não é coisa que se ganhe, é uma coisa que se descobre. Felicidade é propriedade do homem. É por isso que anseia por felicidade. O que afasta o homem da felicidade é quando ele fecha as portas do seu coração. Quando o coração não está vivo, a felicidade não existe. Muitas vezes o coração não está completamente vivo, está parcialmente vivo. Há pessoas que ficam à espera da chegada de um outro coração que bata com o seu, mas a vida verdadeira do coração é a vida independentemente da sua própria felicidade, que se obtém através da realização espiritual, quando mergulhamos fundo dentro do nosso coração.
Aquele que encontrou paz interior, quer esteja numa caverna nas montanhas ou no meio da multidão, encontrará paz em toda parte. O que em geral acontece é que dizemos que não temos paz porque os outros afetam nossos nervos. Culpamos os outros, mas na realidade a verdadeira paz só pode ser estabelecida dentro de nós quando nos sentirmos firmes e seguros contra todas as influências existentes à nossa volta, só quando as coisas não mais nos perturbarem.
Em outras palavras:
Beber Coca-Cola não vai te deixar feliz. Vai te deixar diabético. Pode te dar uma viciante satisfação sensorial. E você pode ter sido inconscientemente doutrinado pela propaganda a pensar que isso é felicidade pra valer.
Basicamente, o fato é que o homem É a própria felicidade. Portanto, descobri-la é mesmo uma jornada de auto-conhecimento e auto-realização. Não é preciso ir a lugar nenhum nem conquistar nada, exceto a si mesmo.
Com a palavra, o mestre humanitário Sathya Sai Baba:
O homem é um buscador da felicidade. Ele é essencialmente o próprio repositório da felicidade. Mas incapaz de perceber essa verdade sobre si mesmo, o homem vai atrás de felicidade pelo mundo afora.
Ele investe em estudo na crença de que escolaridade irá lhe trazer felicidade. Mas a felicidade escapa dele. Ele tenta encontrar felicidade no trabalho e falha em obtê-la. Buscando felicidade na vida conjugal, ele encontra desapontamento. Nem mesmo consegue obtê-la de seus filhos. Ele então se absorve na aquisição de riqueza na crença de que prosperidade irá lhe garantir meios de alcançar felicidade. No fim de tudo, ele se encontra como uma lamentável criatura quando a riqueza que adquiriu é roubada ou má utilizada por sua libertina progênie.
Ele então percebe que todos os seus esforços anteriores em assegurar felicidade lhe trouxeram apenas satisfações temporárias mas nenhuma felicidade permanente. Um homem rico se comporta como um cachorro numa manjedoura. Ele não irá usufruir de sua riqueza e nem irá dá-la para boas causas. Um homem rico deveria perceber que o sacrifício deveria ser a marca de um homem próspero e que a verdadeira felicidade deve ser adquirida através do sacrifício.
Ambos os pronunciamentos citados são apenas fragmentos, pequenas pinceladas de um vasto corpo de conhecimento que compõe a asa faltante – a Educação em Valores Humanos – o ensino espiritual.
(Sathya Sai prossegue nesse discurso detalhando em seguida as cinco causas que levam o homem a falhar na conquista da felicidade. Hazrat Khan, por sua vez, prossegue indicando como vida, poder, conhecimento, felicidade e paz podem ser alcançados.)
EVH na Sala de Aula
O professor precisa estar consciente de seu papel de moldar o caráter dos estudantes.
E para isso precisa praticar os valores que deseja transmitir.
Dentre todos, estes são os cinco Valores Humanos destacados como principais:
- Verdade
- Retidão
- Paz
- Amor
- Não-Violência
Existem algumas técnicas didáticas específicas para se reforçar o florescer desses valores inerentes, já presentes como sementes em cada estudante. As técnicas são:
- Harmonização
- Citação
- Contação de Histórias
- Canto Grupal
- Dinâmica em Grupo
Basicamente, tudo se resume a isto. A superfície é bem simples, porém o que vale aqui é a profundidade. Cada um dos cinco valores e das cinco técnicas é um universo.
Estas técnicas se aplicam a qualquer conteúdo, matéria ou disciplina. Não há necessidade de se alterar a grade curricular. A abordagem e metodologia da EVH pode ser aplicada em qualquer tipo de escola, integra-se a qualquer linha pedagógica, seja qual for a cultura e a religião do local.
É fundamental que o professor tenha amor pelo seu trabalho e pelos seus estudantes, senão teremos hipocrisia ao invés de EVH.
Portanto, a transformação começa com o corpo docente, que primeiro precisa ser despertado para sua própria importância e “missão”.
Uma vez iniciado e colocado em movimento, este “círculo virtuoso” envolve os alunos e começa a transformar os próprios pais em seus lares.
A Educação em Valores Humanos é assim efetiva quando corretamente aplicada.
Este artigo é apenas uma pincelada, uma breve menção e introdução, somente para despertar o interesse sobre o assunto. Para mim, a EVH é maravilhosa e fascinante. Penso que não há nada mais importante e eficaz nos dias de hoje do que uma educação movida pelo Amor – o seu poder transformador é imenso e intenso.
A pessoa verdadeiramente educada é aquela que usa seu conhecimento para o benefício dos outros.
Sejam felizes!
Dedicatória
Dedico este post a três amigos que não vejo faz tempo: Rodrigo Reis (ETESP), Fernando Sallum (UFSCar) e Vinícius Santos Rocha (Linha Unificada).